O Sol desceu à cidade
No elétrico amarelo
Que, pelo carril reluzente,
Desliza garbosamente
Refletindo com vaidade
Toda a luminosidade
Que flui do sol nascente...
E, de auréola ocre e quente,
O elétrico amarelo
Percorrendo toda a cidade
Rivaliza em paralelo
E vai "metendo num chinelo"
A mais diáfana claridade...
MARIETA F. ANTUNES
Estou fatigada do mundo
Cansada da sociedade
Da sua desumanização
Neste buraco sem fundo
Cavado pela humanidade
Em toda a sua extensão...
Todos os valores ruíram
Num charco de podridão
As forças vivas soçobraram
Os bons intentos naufragaram
E de cansaço desistiram
De encontrar a salvação...
Neste naufrágio universal
Com ausência de terra à vista
Só me resta uma esperança:
Oxalá Deus não se canse
De esperar pela bonança
E seja chegada a hora
Em que também Ele desista
Levando consigo embora
A nossa única pista...
MARIETA F. ANTUNES
Espantalho emproado,
Cabeça empalhada
De chapéu esburacado,
Braços de cana
E tronco de vassoura
Na seara plantado,
Quanto passarito
Atrevido e esfomeado,
Olho vivo e aguçado biquito,
Não terás já tu espantado?!...
Ao invés de os espantar,
Ah! como tu gostarias
De com eles poder brincar,
De também poder voar...
De chegar até às nuvens
E de perto o sol olhar,
O tal que nas tardes de calmaria
E na quieta monotonia,
Te põe a cabeça a escaldar
E o corpo a estalar...
De cruzar aquela cortina
Cinzenta do céu nublado
Que nas manhãs pardas e frias
Te deixa o fato orvalhado...
De ir para além dos montes
Como bossas de camelo
Que te limitam o horizonte,
E observar o degelo
A transformar-se em quanta fonte...
Mas tens de cumprir a tua sina,
Preso noite e dia
Na solidão da campina,
Enquanto esperas que o vento
Te venha dar movimento
E fazer-te companhia...
MARIETA F. ANTUNES
Árvore amiga,
Revela-me o segredo
Que intrépidamente
Te mantém de pé
Num admirável
Testemunho de fé
Enquanto eu,
Como miserável
Espécime humano,
Morro de raiva
E de medo...
Que exemplo de dádiva,
Que altruísmo é esse
Que nos demonstras
Constantememnte,
Permanentemente
Revitalizando
Quem cobarde
E impunemente
Te vai assassinando?!...
MARIETA ANTUNES
O Poeta é um ser diferente
De apurada sensibilidade...
Sente para além do que se vê
Vê para além do Presente
Alcança para lá do trivial
Desdenha o que é material
Idealiza uma nova realidade
Que conduza à felicidade
Baseada na justiça social...
Há quem os veja como loucos
Utópicos, excêntricos, lunáticos
Caducos e reumáticos
Que só sabem escrever tretas...
Mas mesmo de bengala ou de lunetas
Continuarão a ser como poucos
Não só Homens de Letras
Mas iluminados Profetas...
Mesmo quando tudo soçobrar
Em decadência total
O Poeta não desistirá
Continuará a acreditar
Que tudo se irá renovar
E a sua missão realizará
Nas palavras que soltar
Como arauto da esperança,
Com a sua força intemporal
E a pureza do sonho
Que só pode morar
Num coração de criança...
MARIETA ANTUNES
Vinde, vinde,
Ágeis andorinhas,
Em alegres bailados
No imenso espaço...
Vinde, vinde,
Meigas ovelhinhas,
Pedras branquinhas
Dispersas no verde pasto...
Vinde, vinde,
Delicados libelinhas,
Esvoaçando nervosas
Em busca de seu amor...
Cintilantes borboletas,
Diligentes abelhinhas
Apressadas, laboriosas,
Beijando cada flor:
Cravos, lírios,
Malmequeres, rosas...
Vinde, vinde,
lindas flores
Perfumadas, belas,
Frescas, mimosas
Também as campestres
Anónimas e singelas,
Brancas, azuis,
Vermelhas, amarelas...
Vinde, vinde,
Árvores frondosas,
Pacíficas, generosas,
Que se nos oferecem
Abnegadamente...
Vinde, vinde,
Montanhas agrestes,
Rios ondulantes
De mansa corrente...
Vinde, vinde,
Ondas branquinhas
De leve espuma
Em incessante marulhar...
Vinde, vinde,
Toda vós, Mãe-Natureza,
Encher meus olhos
Da vossa beleza
Até ao limite
Da saciedade...
E com o que sobrar,
Ir-me-ei alimentar
Por toda a eternidade...
MARIETA F. ANTUNES
Pai!
Ainda não esqueci,
Jamais se apagará em mim
E perdurará até ao fim
A memória inegável
Como legado exemplar
Que herdei de ti
De honra,
De honestidade,
De justiça
E de verdade...
Deixaste-me numa manhã
Húmida e fria de Fevereiro
Em que a Natureza,
Solidária com o meu desgosto,
Juntou às lágrimas do meu rosto
Múltiplas gotas de nevoeiro...
Continuas a tua missão
De brilhante estrela polar
Para minha orientação
No meu difícil caminhar
Neste pérfido vale de lágrimas...
O triste e magro conforto
Que me assiste
Na mágoa
Que hoje e sempre resiste
Pela dolorosa perda,
É de que este vil mundo
Pródigo em ódio
Mentira e traição,
Não era teu...
O teu lugar é no céu
Junto daqueles que, como tu,
Foram nobres de caráter
E puros de coração...
MARIETA F. ANTUNES
Minha amada inspiração
Estamos juntos nesta missão
Não me abandones no meu labor
Junta ao meu o teu suor
Não me largues da tua mão
Eu sem ti não sou ninguém
Sou um mendigo sem vintém
És a alma do meu poema
O motor da minha pena
Não me votes ao desdém
Se me abandonares algum dia
Contigo partirá minha alegria
Minha seiva de viver
Estarei prestes a morrer
Condenada à nostalgia
Imploro-te com sentida devoção
Minha inspiradora proteção
Retarda-me o cruel momento
Adia-me o bárbaro sofrimento
Da escura e vazia solidão
MARIETA F. ANTUNES
Cruzámo-nos
No horizonte das emoções,
Onde os sonhos
Se confundem com as ilusões...
Confessámos
Os nossos desejos,
Partlhámos
Gratas aspirações...
Démo-nos o ensejo
De experimentar
Novas sensações,
E foi bom...
Soltámo-nos no vento
Sem obedecer a tom
Nem som...
Cavalo sem freio,
Estancámos
O percurso do tempo
No legítimo anseio
De eternizar o momento...
MARIETA F. ANTUNES
Ser Poeta é ver na vida
As sete cores do arco-íris...
É ver por entre o negrume
Uns salpicos de céu azul...
É sentir a beleza de uma flor
Na aridez de uma fraga...
É ouvir na toada do mar
Um convite para amar...
É escutar na lamento do vento
Uma canção de embalar...
É ter o coração aberto
À esperança, ao sonho e à vida...
Ser Poeta é, na verdade,
Dourar a realidade...
MARIETA F. ANTUNES
. OUTONO